No filme José e Pilar, o diretor Miguel Gonçalves Mendes
apresentou ao público um Saramago desconhecido. Acompanhando seu dia a
dia, revelou a intimidade de um dos mais fascinantes escritores da
língua portuguesa. Neste José e Pilar - Conversas inéditas, Miguel reuniu
entrevistas realizadas durante o período em que conviveu com o autor e
sua esposa, a jornalista espanhola Pilar del Río. São depoimentos
sinceros e comoventes sobre trabalho, arte, morte e, é claro, o amor de
um pelo outro. Quem dá a chave para as entrevistas é a própria Pilar. “Acho que poucos
escritores, e isso quem o leu com atenção e o conhece perceberá, são tão
eles em sua obra. Há poucas diferenças entre o autor do livro, a voz do
narrador e o que expressa o livro.” Assim, estão presentes nas
conversas o humor desconcertante de Saramago, o conhecido ritmo de suas
frases e, sobretudo, o mesmo universo que a ele interessou durante toda a
carreira. Essa visão de mundo particular, tão impressa em sua obra, aparece aqui
em momentos inesperados: quando o autor fala de um sonho que teve na
infância ou repara na paisagem durante um passeio de carro. Ou ainda
quando interrompe um depoimento de Pilar para observá-la sendo
entrevistada. Mas, se realmente não há distância entre o Saramago escritor e o José
deste livro, isso fica ainda mais claro quando ele se volta à política e
à religião, temas que sempre o acompanharam. Com um olhar crítico e
ferino, revê episódios polêmicos de sua trajetória e defende uma vida
livre “dessa superstição paralisante” que seria a crença em Deus. Embora implacável em suas posições, o que se destaca nas conversas é o
olhar compassivo com o mundo, a crença genuína na liberdade. O homem que
queria morrer “lúcido e de olhos abertos” surge aqui, enfim, como
alguém que seguiu o conselho que ele mesmo costumava dar a jovens
escritores: “Não tenhas pressa e não percas tempo”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário