Neste retrato poético, alegórico e crítico da Moçambique contemporânea, a
imagem de uma santa católica que encanta e perturba todos que dela se
aproximam é o centro de uma trama dividida em dois momentos históricos,
ligados por questões étnicas, religiosas e de destino familiar. Em 2002, dez anos depois dos acordos de paz entre governo e forças
rebeldes, Moçambique é um país em recuperação. Um pastor e sua mulher,
Mwadia Malunga, encontram uma imagem de Nossa Senhora nas margens de um
rio da pequena localidade de Antigamente. O curandeiro do lugar diz que
eles conspurcaram o espírito do rio e correm grande perigo. Mwadia
decide então voltar a Vila Longe, onde deixara a família, para abrigar a
estátua. Curiosamente, esta é a estátua que segue, em 1560, com o jesuíta Gonçalo
da Silveira, ao partir de Goa, na Índia, para converter ao cristianismo
o imperador do Reino do Ouro, ou Monomotapa, situado na região
fronteiriça entre os atuais Zimbábue e Moçambique. A imagem de Nossa
Senhora é chamada pelos escravos da nau portuguesa de Kianda, uma
divindade das águas; e os africanos a tratam por Nzuzu, rainha das águas
doces. De volta ao século XXI, a pequena Vila Longe agora se articula para
receber a visita de um casal de antropólogos americanos, revelando
personagens exemplares e muito divertidos do cotidiano moçambicano - e
do universo literário de Mia Couto. As relações de sincretismo religioso
e o choque cultural entre portugueses, indianos e africanos estão
presentes o tempo todo na narrativa, e os estrangeiros completam o
caldeirão cultural e religioso do local, num retrato ao mesmo tempo
cômico e desolador do mundo globalizado.
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