Num velho casarão do Bom Retiro, bairro tradicional de São Paulo, uma
enfermeira especializada em pacientes terminais atende a uma criança de
hábitos noturnos. A criatura, como a própria enfermeira a batizou, não
fala uma palavra e jamais sai de casa. Também não recebe visitas e o
único contato com o mundo exterior é uma grande janela que dá para a
rua. O contrato estipula que a enfermeira nunca deixe o casarão. Anos se
passaram. Do lado de fora, um bairro que viveu três grandes ondas
migratórias, e onde as sinagogas se misturam às confecções coreanas, que
por sua vez empregam os milhares de bolivianos que chegaram nas últimas
décadas. É por essas ruas que caminha desde a infância o escrivão
encarregado do estranho caso do Nocturama, que vem ocupando o noticiário
policial. No encontro dessas duas histórias, Joca Reiners Terron cria
uma hábil trama de suspense e terror, na trilha de escritores como Edgar
Allan Poe, H.P. Lovercraft e Richard Matheson. E cria também um bairro
que é quase um personagem em si, feito de casarões mal-assombrados,
seitas secretas e monstros, onde a noite traz à tona antigas histórias
que deveriam permanecer enterradas. Os leitores de Terron entenderão
imediatamente a escolha do cenário – assim como o Bom Retiro, sua prosa é
uma encruzilhada de tradições, nunca se atendo a nenhuma delas, tomando
o que o interessa de cada uma e transformando em algo inteiramente seu.
Assim, combina-se ao suspense o humor seco e cínico do autor, bem como a
voz lírica e ao mesmo tempo ríspida que marca sua obra.

Nenhum comentário:
Postar um comentário