Publicado pela primeira vez em 1986, Vozes anoitecidas projetou
o escritor moçambicano Mia Couto para o mundo. Conhecido até então por
seu trabalho como jornalista e poeta, o autor - hoje tido como um dos
mais influentes escritores da língua portuguesa - lançou aqui as bases
daquela que viria a ser uma das principais características de sua obra
ficcional: a reconstrução de laços entre registro oral e escrito. Em doze pequenos contos, um rol de personagens esfarrapados e alheios ao
palco principal dos acontecimentos narra, de seu ponto de vista
marginal, histórias que flertam com o mágico e com o absurdo sem, no
entanto, desviarem-se completamente do plano factual. Em “As baleias de Quissico”, Jossias aguarda a chegada de um animal
marinho de cuja boca, acredita, brotará “amendoim, carne, azeite de
oliva e bacalhau”. Mas como saber se o animal existe, se ele jamais viu
uma baleia? O enorme monstro que aporta sem ser visto pode ser tanto o
misterioso “peixe grande” como um submarino carregado de armamentos
ilegais. Jossias prefere acreditar no sonho e, como ele, outros
personagens de Vozes anoitecidas encontram mais razão na fantasia que na lógica da guerra e da privação. Ao promover uma espécie de vertigem, sob efeito da qual não se pode
afirmar se uma narrativa é absurda ou se absurda é a realidade de que
ela trata, o autor apresenta a perplexidade como ponto de partida para o
fazer literário.
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