Quando a escritora Clarice Lispector terminou Um Sopro de Vida
(Pulsações), às vésperas de sua morte, por câncer, em 1977, sabia que
este seria o seu livro definitivo. O livro era de fato o sopro de vida
de Clarice, que precisava escrever para se sentir viva. Na história, ela
fala de um homem aflito que criou uma personagem, Angela Pralini, seu
alter-ego. Mas ora ele não se reconhecia em Angela, porque ela era o seu
avesso, ora odiava visceralmente o que via refletido naquela estranha
personagem-espelho. O autor elabora Angela Pralini, mas ela toma
vida própria, surpreendendo e revoltando seu criador com suas
diferenças. Um processo de criação, uma relação em que Clarice Lispector
revela os conflitos de um autor com seus próprios impulsos e o quanto é
doloroso aceitá-los e deixá-los fluir. Ainda que estes impulsos se
realizem através de uma personagem, Angela Pralini, criada para libertar
o autor de seus fantasmas, cumpre o destino de ser o sopro de vida de
um escritor. A questão da vida e da morte atormenta este autor
criado por Clarice em seus últimos momentos de vida: 'Se me perguntarem
se existe vida além da morte... respondo num hesitante esquema: existe,
mas não é dado saber de que forma essa alma viverá... Vida, vida
recoberta em um véu de melancolia. Morte: farol que me guia em rumo
certo. Sinto-me magnífico e solitário entre a vida e a morte', diz o
autor, ao qual responde a personagem Angela Pralini: 'Na hora de minha
morte - que é que eu faço? Me ensinem como é que se morre. Eu não sei'.
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