A idéia de se dirigir ao pior conta com pouca aceitação.' É com essa
frase de impacto que Mauro Mendes Dias introduz este livro, fruto de um
seminário conjunto proferido por ele e Dominique Fingermann. O pior
talvez não conte mesmo com 'muita aceitação' e a proposta seja de fato
'atrevida' como afirma Fingermann, mas tratar do pior não só é fiel à
ética da psicanálise, como esse 'atrevimento' é mais do que bem-vindo na
medida em que convoca o analista a ler o político e não permite
confundir silêncio do analista com a sua omissão em relação aos
acontecimentos do mundo. O legado que nos deixou Freud e toda sua obra
atesta isto, uma vez que muitos dos avanços freudianos foram respostas
às injunções da História, que lhe permitiram testar a operatividade de
seus conceitos psicanalíticos. O descentramento efetuado pela
psicanálise, da ordem do mundo para a realidade psíquica, implica um
deslocamento do ser no mundo para o ser do desejo e coloca a questão da
implicação do sujeito no político, que Lacan aprofundou em sua
articulação da psicanálise em intenção com a psicanálise em extensão.
'Por causa do pior' se inscreve nessa linhagem e convoca os analistas a
assumirem a responsabilidade que lhes cabe face aos problemas que não
cessam de surgir na civilização, exacerbando o mal-estar para o qual
Freud nos alertara. Este livro é um convite ao pensamento, cumprindo
desse modo o que talvez seja a maior função da psicanálise - dilatar os
limites do pensável autorizado num determinado momento, numa determinada
sociedade, fazendo surgir pensamento lá onde ele antes não existia.
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