"No sistema capitalista, para que a Inglaterra possa viver em relativo
conforto, 100 milhões de indianos têm que viver à beira da inanição - um
estado de coisas perverso, mas você consente com tudo isso cada vez que
entra num táxi ou come morangos com creme." É dessa forma, unindo a pegada do inconformista com a mordacidade do
literato, que George Orwell pinta as relações entre a metrópole imperial
britânica e suas colônias na Ásia, na segunda parte de O caminho para Wigan Pier,
publicado originalmente em 1937. É na primeira parte, porém, que ele dá
conta, com seu costumeiro estilo límpido ("de vidraça", como ele
dizia), direto e vigoroso, de sua visita às áreas de mineração de carvão
em Lancashire e Yorkshire, no norte da ilha britânica. A pobreza e o
sofrimento atroz dos mineiros são retratados ali com um grafismo brutal,
desde as condições esquálidas de moradia ao medo das frequentes ondas
de desemprego que assolavam a região, colocando em risco extremo a
sobrevivência física dos trabalhadores e de suas famílias. Orwell já havia mergulhado a fundo na experiência da pobreza quase
absoluta, nos dois anos que viveu perambulando como mendigo e
trabalhador desqualificado pela França e pela própria Inglaterra -
experiência narrada em seu primeiro livro, Na pior em Paris e Londres.
A isso, somou-se o impacto desses dias passados lado a lado com os
mineiros de carvão, o que resultou não só na pioneira peça de new journalism (expressão que só apareceria a partir dos anos 1960, nos Estados Unidos) da primeira parte de Wigan Pier,
como também na análise amarga e muitas vezes sardônica da estrutura
social, dos preconceitos de classe britânicos e das fragilidades e
inconsistências da esquerda intelectual bem-nascida que lemos na segunda
parte da obra.
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