Ao ser lançado, em 1924, Os reis taumaturgos abriu perspectivas
novas para a história, sendo uma das primeiras obras do que hoje se
conhece como a Escola dos Annales, o movimento historiográfico mais
bem-sucedido de nosso século. O autor, Marc Bloch, um jovem professor em
Estrasburgo - e que dali a vinte anos seria fuzilado pelos nazistas -,
dispunha-se, em suas palavras, a fazer história com matéria até então
tida por mera anedota. No caso, algo que se costumava relegar ao elenco
das curiosidades ou superstições: a crença, bem difundida na Europa
durante mais de meio milênio, de que os reis de França e Inglaterra
tinham o poder miraculoso de curar, com seu toque, uma afecção da pele,
as escrófulas. Do século XII até o XVIII, mas sobretudo no tempo de Luís
XIV - isto é, em pleno século do racionalismo -, essa fé no "milagre do
rei" tinha sido determinante na concepção da realeza. Assim, o que
Bloch propõe é que, para estudar as monarquias medievais e do Antigo
Regime, não bastam os tratados sobre o bom governo, nem as teorias do
direito divino e do absolutismo, mas se deve considerar também aquilo
que a modernidade desprezou como mera crença ou fábula. O historiador
deve valer-se de outras ciências humanas, como a psicologia, para sair
do jogo entre os objetos tradicionalmente ditos sérios, as instituições e
teorias, introduzindo como fator estratégico as crenças, que afinal de
contas são o que responde pelo sucesso dos poderes e doutrinas no plano
da recepção, isto é, em política, no plano da obediência. Com Os reis taumaturgos
nasce, então, a história das mentalidades, mas também um novo modo de
pensar a história política: se um poder não depende só das razões que dá
para se justificar, mas igualmente das dimensões mais obscuras, quase
míticas, em que adquire obediência e apoio, o exame das crenças passadas
constitui uma via privilegiada para compreender a realeza, nos tempos
em que ela freqüentava o sagrado.
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